Ainda bem que eu não me canso

Pois é, cheguei agora e já estou cansado. Cansado por não ter o que fazer. Sério, a falta do que fazer me cansa. Verdade mesmo.

Com certeza, creio eu, o prezado e ilustre leitor sentiu ou sente a mesma coisa. Para um sujeito que passou quase toda a vida trabalhando, ou estudando, ou correndo atrás dos problemas, dando aulas, manhãs, tardes, noites e mais tudo isso e ainda mais um pouco, quando se tem que fazer quase tudo, toda hora, na ida e na volta, a gente perde o fôlego, perde o tempo, perde a compostura, perde até a costura.

" Cansaço "

Fazer nada, acredite, cansa mais do que ficar o tempo todo fazendo alguma coisa. Já fiz tanto e tão demais que acabei ficando desacostumado com o descanso. Não sei se o ilustre e prezado leitor já passou por isso. Da minha parte, confesso, estou há um bom tempo sem fazer nada e agora ando muito mais cansado do que me cansava antes.

O negócio de quem sempre trabalhou com gosto e feito doido, de quem nunca ficou parado feito carro velho, a coisa continua sendo ficar tocando em frente. O diabo, o que estraga, é não ter nem frente para tocar. Dito isso e exposto o problema maior, fico até sem graça de ver o mundo rolando, tanta gente malhando, cansando, correndo, fazendo, criando e eu aqui. Aqui ao nada, fazendo nada. Isso tudo é a pior coisa que se tem para fazer.

" Já foi diferente "

Antes eu, e a gente toda que batalhava o dia inteiro, fora as noites mal dormidas, ficava doente esperando uns dias de folga, umas férias, uns fins de semana na praia, ou no campo, ou no "dolce far niente" - (acho que é assim que se escreve) ­­­- como dizem os italianos.

Aí vem a hora de ir embora, de se aposentar, de ficar em casa sem fazer nada mesmo, ou até sem ter o que fazer, só lembrando os doces tempos em que a gente trabalhava feito doido. A gente fica mais doido mesmo quando não tem mais o que fazer. Nem os colegas para ver e ouvir, e rir e falar e se entregar ao trabalho.

Cato os jornais do dia e fico lendo e imaginando como eu faria, ou como eu fazia tudo aquilo. Aquele texto, aquela ideia, aquela reportagem. Contar a vida do personagem que a gente viu no ônibus, do trabalhador cansado que acaba dormindo no trem, que anda quase quebrado ou alquebrado, como queiram.

" Amanhã tem mais "

Gente que, no entanto, volta feliz para casa, na certeza de que amanhã vai estar de volta ao trabalho, ao lado dos colegas, fazendo e criando as coisas que daqui a pouco estarão sendo entregues para a freguesia. Coisas que também daqui a pouco estarão nas ruas, nas avenidas, nas casas, nas cozinhas. Coisas feitas por quem passou horas e horas trabalhando, produzindo até cansar.

" Tem volta "

Mas, e aí? E aí quando se deixa de trabalhar, de produzir, quando se aposenta, quando a gente fica em casa sem nada para fazer. Nada, nada mesmo. Nadica de nada

Perdão!

Não era com isso o que a gente tanto sonhava? Trabalhar, trabalhar, trabalhar mais um pouco até aposentar, e aposentar para não trabalhar mais?

E agora?

O que é que o aposentado vai fazer na vida?

Ficar fazendo nada, não é? E o fazer nada vai servir pra quê? Vai servir pra se ficar pensando em fazer alguma coisa. E a tal da alguma coisa para fazer seria trabalhar, claro. Mas quem já se aposentou, não vai precisar fazer mais nada. O problema, dizem alguns, é que, fazer nada, pode ser a pior coisa da vida.

Imagine encontrar com os amigos e ficar sem resposta quando eles perguntarem: "qui é qui ocê tá fazendo agora?". Nas primeiras vezes você vai responder triunfante: "Agora eu não faço mais nada!!!".

" Só parece que é "

Beleza pura, você vai dar essa resposta umas mil vezes. Até cansar e pensar: "Ô diacho! Agora eu não sei o que fazer porque, de verdade e de verdade mesmo, eu gostava de trabalhar. Agora nem não tenho nada para fazer".

Dureza, não? Ao que se sabe, quando não se tem mais nada para fazer na vida, com certeza a vida perde um pouco, talvez muito do seu sabor. Sim porque, como dizem, a pior coisa do mundo é não fazer nada. Talvez pior que isso, seria justamente quando não se tem coisa nenhuma para fazer no mundo. Aí já não se pode nem esperar nada do mundo porque, na verdade, o mundo também não espera mais nada de quem não espera nada dele.

Parece incrível, mas é desesperador, não acha?