Sexta, 26 Abr 2024

Como as crianças mudam o casal

Dra. Regiane Glashan*

Parece que com a vinda dos filhos o "NADA" se torna imperativo. Não entendeu o que eu quis dizer? Pois bem, vou tentar ser mais clara.

Quando digo nada, eu quero dizer: quase nada de sexo, nada de privacidade, nada de decisões imediatas do tipo "que tal um jantarzinho num bistrô"? Nada de pegar a última sessão de cinema, nada de não ter hora para acordar depois de uma festa, com duração até altas horas, nada de não ter hora certa para comer e nada de não ter momento certo para curtir simplesmente um ao outro.

A chegada de uma criança traz muitas alegrias, e, a esperança na renovação das gerações, entretanto, no quesito conjugalidade pode-se dizer que é a prova dos nove.

O marido se estressa de um lado, tentando ajudar a esposa ao máximo, dentro de suas possibilidades, e, mesmo assim, ainda pode sair com a fama de ser folgado, ou, incompreensível, fora isso, ganha de quebra, o sentimento de exclusão, e, de não fazer as coisas tão bem-feitas como sua esposa.

A esposa, por sua vez, se sente assoberbada. Os cabelos nem sempre permanecem alinhados, o sono está conturbado, e, seu perfume é o puro "extrato de aleitamento natural". Nada se compara a este cheirinho - ele fica pela casa, nas roupas e no ambiente.

A maioria dos casais que atendo costumam me perguntar, se um dia voltarão a ter o tempo de adultos como antes, ou, se um dia poderão conversar olhando um ao outro - olhos nos olhos - sem ter que desviar o olhar, para checar se tudo está bem. Será que um dia poderemos falar de outro assunto, que não sejam fraldas, chucas, pomada para os mamilos, e, outros não menos importantes?

A mulher torna-se sobrecarregada com atividades, que na maior parte do tempo, só ela pode resolver - e, não tenho dúvida, seu bebê agradece e celebra por isso. Por outro lado, o preço que a mamãe paga é muito grande - ela acaba se esquecendo de si própria e de seu companheiro. Cobre um santo e descobre outro.

É o famoso estado que Winnicott (psicanalista infantil), que muito bem define, como "preocupação materna primária" - uma ligação profunda e absorvente da mãe com o bebê. Uma ligação que, na maior parte das vezes, é benéfica e volta ao seu estado normal em alguns meses. Devo confessar que vista pelo lado do pai, é uma fase delicada, pois, a mãe ora se sente vulnerável e frágil, ora, se sente poderosa - só ela sabe realmente o que o bebê quer ou precisa.

Já ouvi muitos companheiros definirem esta fase como um verdadeiro "porre". Ao mesmo tempo, que eles ficam no limbo, eles desenvolvem a percepção de serem incompreensíveis, e, de serem promovidos ao simples cargo de assistentes.

O interessante é lembrar que começamos nossa história conjugal com um homem e uma mulher. Um casal disposto a compartilhar sentimentos, sabores e dissabores durante o "até que a vida nos mantenha unidos".

Dessa maneira me pego refletindo: quem vem primeiro em nossas vidas, nosso companheiro ou nosso filho?

É uma pergunta temporariamente complicada de responder, pois, em nossa sociedade, é esperado que após o nascimento do filho, todas as atenções se voltem a ele. Entretanto, os pais que se deixam absorver completamente pela criação dos filhos, acabam abandonando emocionalmente um ao outro, e, ao casamento ávido por necessidades que só os adultos podem satisfazer.

* Terapeuta Familiar - Casal - Individual, ênfase na relação mãe-bebê. Especialista-Mestre-Doutora-Pós-Doutora pela UNIFESP, Fellow Universidade Pittsburgh - USA. Site: www.terapeutadebebes.com.br. Instagram: @terapeutadebebes_familia

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