Domingo, 28 Set 2025

Qualquer hora dessas eu vou

Como diria o caboclo, o difícil é essa dificuldade toda.

E, não é? Claro que é.

É difícil procurar, é difícil de se ver, é difícil até de encontrar as coisas mais fáceis que andam por aí. Coisas que antes andavam, claro, pois, antes, as coisas estavam onde estavam e todo mundo sabia que elas estavam lá e nem ligavam. Só uns e outros. Uns poucos. Lembra?

É, era sim, o difícil era bem mais fácil.

Para piorar, agora também tem mais gente que antes, procurando o que era fácil e que, como se vê, e se nota, e se conforta, certamente acabou ficando o tão difícil que ficou esse tanto de procurador o que se buscava. Sim, e se buscava tudo quanto é coisa, coisas até que a gente nem sabia que existiam.

" Nem manga "

Naquele tempo em que o difícil era bem mais fácil que hoje, a gente catava manga nos quintais dos vizinhos. Hoje os quintais dos vizinhos estão cercados de muros. Muros altos. Nem se vê os quintais.

Nem se pensa nisso.

Quer manga? Vai na quitanda, se bem que até as quitandas andam sem mangas. Antes manga era coisa manga de colete, como diziam os mais entendidos, se bem que coletes não têm mangas. Ou têm? Sei lá. Será que tem? Nunca usei coletes na vida. A vida mudou muito.

Antes a gente andava de bonde, hoje nem os bondes andam mais. Para onde mandaram os bondes? Que fim levaram esses bondes? Pô, mano, lembro que tinha bonde aberto e bonde fechado. Bonde aberto leva gente até nos estribos, gente pendurada em gente, pois era sempre muita gente, gente demais para poucos bondes. Tinha os bondes fechados, os tais de "Camarões", bonitões, pareciam vagão de trem. Só que andavam nas linhas de bondes espalhadas por tantas ruas, tantos bairros, tantos lugares que a gente nem sabia quais eram.

" Cansei de andar nele "

Eu, por exemplo, pelo que me lembre, andei e cansei de andar de bonde. Era bonde pra lá, bonde pra cá. Bonde indo, bonde voltando. Bonde aberto, como eu já disse, e bondes camarões, que eram "fechadões" e coisa e tal.

Os espertos daqueles tempos costumavam andar de bondes abertos, pendurados uns nos outros nos tais de estribos dos bondes, pois, no começo do dia, os bondes iam carregados de gente para o centro e, no final dos dias, os bondes voltavam carregados de gente na volta do centro para os bairros.

Nossa! O quanto eu andei de bonde. Garoto novo, recém chegado do interior, pois era em cidades do interior que eu morava, meu prazer era andar de bonde ali, na Capital. E quem não gostava? Beleza pura, mano.

" Fechados e abertos "

Bonde aberto ia mais carregado que caminhão de carga. Gente e mais gente pendurada nos estribos dos bondes abertos que circulavam nas ruas já quase repletas de São Paulo, cidade que crescia a cada dia e ficava maior ainda. Tinha bonde pra tudo quanto era canto. E a gente ia.

Lembro, e nem dá para esquecer, que muita gente andava pendurada nos estribos dos bondes para fugir do pagamento da passagem.

Nossa, era tanta gente que os cobradores nem conseguiam cobrar todo mundo. Se bem que, segundo dizem, muito cobrador que trabalhava cobrando nos bondes ficou rico, sabia disso? Chegou até a virar música: "tim-tim! Dois pra Light e um pra mim!", ou seja, claro, duas moedas ou dois pagamentos para a Light e um pra mim. Isso, quando não era o inverso, ou seja, "dois pra mim e um pra Light".

" Esclarecimentos "

Light, esclarecendo aos leitores mais jovens, era a empresa encarregada ou dona dos bondes. Que eram fechados, os chamados "camarões", veículos enormes, vermelhos, claro, e os bondes abertos. Nesses, nos abertos, é que a pilantragem acontecia, pois o cobrador era obrigado a pendurar-se de um lado para o outro do bonde, cobrando aqui, cobrando ali, dinheiro num bolso, dinheiro no outro bolso, os tais dinheiros da Light e os dinheiros pra mim

Claro que tem muita gente da minha idade ou, mais claro ainda, mais antigos que eu, que se lembram ou viveram toda essa época quando São Paulo, Rio de Janeiro e outras capitais do país eram servidas pelos bondes abertos e fechados.

" E os gritos "

Deus do céu! Ainda continuam na cabeça os gritos dos motorneiros e dos cobradores dos bondes abertos quando passavam pelas ruas superlotadas de caminhões ou veículos que estavam derrubando mercadorias nas milhares de lojas situadas nessas ruas por onde os bondes passavam. E os gritos de alerta saiam dos motorneiros, cidadãos que conduziam os bondes abertos, gritos que alertavam: "Olha a direita!!!" - e continuavam: "Olha a direita!!!". Tinha até uma frase que alguns até gritavam e brincavam: "Não olha não que é besteira!!!".

E assim era a vida, nos bondes que iam, nos bondes que voltavam, nos bondes camarões, nos bondes maiores, nos bondes que davam até medo de tanta gente que levavam.

" Saudade dos bondes"

Saudade da minha criancice ou da minha juventude. Saudade de andar de bonde. Saudade até de ter saudade.

Vou mudar para alguma cidade do mundo que ainda esteja andando de bonde. Ao que eu me lembre, a última vez que andei de bonde foi no Japão, acreditam nisso? Pois é. Estive por lá, convidado pelo governo japonês, através de seus representantes aqui no Brasil.

E, que glória!

Posso dizer pra todo mundo ouvir, já andei de bonde até no Japão.

Saudade. Qualquer hora dessas eu pego um avião e vou pra lá de novo. Pro Japão. Saudade do Japão, saudade do bonde, saudade da vida. Saudade.

Coisa gostosa a gente viver de saudade dos bons tempos que a vida nos trouxe, não é?

Está decidido: quando puder, vou pra Saudade.

E vou de Bonde.

Veja mais notícias sobre Edgard de Oliveira Barros.

Veja também:

 

Comentários:

Nenhum comentário feito ainda. Seja o primeiro a enviar um comentário
Visitante
Domingo, 28 Setembro 2025

Ao aceitar, você acessará um serviço fornecido por terceiros externos a https://www.atibaiahoje.com.br/