Tá pensando o quê?
A pior coisa do mundo é a gente não ter o que fazer.
Já trabalhei tanto na minha vida que o trabalho acabou se transformando em vício. Teve um tempo que cheguei a passar um tempão trabalhando pela manhã, à tarde e à noite.
Voltava pra casa cansado, muito cansado, mas, feliz. Voltava ouvindo música no carro e lá vinha eu, estrada afora, ou a dentro, sei lá. Pensando, claro, que depois do jantar iria ver um pouco de televisão, iria cair na cama. Dormir o que dava, até que o despertador tocasse.
E lá ia eu para outra saída, outra jornada.
" Fui mesmo "
Jornada que, como dito, começava pela manhã. Dava aulas na Faculdade de Jornalismo. Ia até a hora do almoço. Almoçava meio às pressas e ia para o escritório resolver coisas de venda, porque numa época eu tinha um escritório de vendas. Vendia e tocava as vendas, as compras e os vendedores. Fora, claro, as vendas que eu mesmo tinha que fazer.
Tinha clientes meio chatos que exigiam a presença do "dono". E eu era lá dono de alguma coisa?
Ah, sim! Era dono de uma empresa de vendas. Vendia equipamentos telefônicos, PBX, PABX e outros recursos do meio para a comunicação.
Naquele tempo os pebexizes, sei lá se já existia esse termo e se ele se aplicasse no caso. Talvez fosse melhor colocar um S no final dos PBXs e dos PABXises, também nem sei se existe o termo.
" Tinha mais "
Convém lembrar também que, à noite, terminadas as jornadas de vendas, lá ia eu, de novo para as minhas aulas. Aulas de Jornalismo, claro, porque, de vendas, eu não entendia patavina. Enrolava mais do que explicava. Mas ia em frente.
Até porque, naquele tempo, o mercado da telefonia era meio complicado. Para um mercado que saia do telefone preto que dava uma linha pra todo mundo as complicações eram demais. Aí veio o aprimoramento. Hoje tem telefone até pra gato e cachorro, sei lá se estou exagerando. Tem telefone com TV, isso mesmo, o cara que liga vê a cara do cara que atende e o cara que atende vê a cara do cara que liga. Nossa! Eu só sei que era um bom vendedor.
" Vendi sim "
Vendi muito. Depois ia para a escola. De Direito. Também aprendi muito. E fui aprendendo coisas e loisas pela vida afora, até cair no Jornalismo. Porque eu tinha um texto razoável, alguém disse até que eu poderia ser Jornalista. "É?" - perguntei. "É!" - responderam com toda clareza e afirmação. Fui pro jornal. Adorei. Vivi intensamente cada pedaço, cada dia, cada entrevista, cada história, cada tudo. Criei frases impactantes, dessas que vendem jornal, nossa! Eu me sentia um grande jornalista.
E foi então, talvez graças a essas "sacadas" jornalísticas, que alguém percebeu e resolveu me convidar para ser publicitário. Das "sacadas jornalísticas", passei para as "sacadas de apresentação e venda de coisas e produtos". Lá estava eu, de novo, no mundo da criatividade.
Nossa! Como eu gostava daquilo. Gostava de criar campanhas de propaganda vendendo produtos reais e imaginários. Criava, criava, criava e fui criando, no jornal, na publicidade, nas aulas com trinta, quarenta alunos por classe, três dias da semana, pela manhã ou à noite.
" Nossa de novo! "
Como eu adorava tudo aquilo. Como eu vibrava. Como eu me envaidecia pelo meu trabalho. Por mim eu estaria por lá, nesse meio criativo, até hoje. Só que tem coisas que não são eternas. A gente faz, faz, faz, cria, cria, cria, imagina, imagina, imagina, usa a cabeça, torna a usar a cabeça, usa cada vez mais a cabeça e a cabeça resolve mandar a gente à "eme".
Eu digo "eme" querendo dizer exatamente isso mesmo que você pensou. A própria cabeça da gente vira uma "eme".
Com todos os "emes" possíveis.
E a gente acaba só pensando em "eme". A vida se torna uma "eme". Tudo vira "eme".
" Virando "
Antes que eu me emerdasse de vez (sei que emerdar é palavra inexistente no dicionário, valendo só no dia-a-dia do banheiro), eu parei. Fui fazendo as coisas aos poucos. E mais aos poucos. E mais aos poucos ainda. Até terminarem os poucos.
O diacho é que, com o tempo, a "eme" da criatividade começou a voltar. E a cabeça voltou a criar. Não posso ver um pássaro voando que me vem logo a vontade de fazer um filme, escrever uma história, contar uma vida e sei lá mais o que. Sem ter o que fazer, fico olhando o pássaro ou os pássaros, pois são tantos os que passam por mim e eu adoro. Fico ouvindo os barulhos da terra, fico olhando os trovões no céu, fico com vontade de tomar a maior chuva
" Muda mundo, muda "
Deus do céu, como a gente muda, não? Muda pra cá, muda pra lá, muda para acolá. A gente só não consegue mudar essa história de ficar sem fazer nada no mundo.
Pensei seriamente em cair no mar ou nos rios e sair pescando por aí. Graças a Deus eu me lembrei que os peixes também são vida. Da minha parte resolvi, claro, deixar que eles vivam em paz.
Mas, sim! Agora decidi: vou parar de pensar em pensar.
Talvez lá na frente eu pense em outra coisa além de ficar só no pensar.
Deve ser bom.
Já pensaram nisso?
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